sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Cadê o corpo que tava aqui?


Chegaram os policiais na casa as escuras. Sem alarmes, sem sirenes. A porta foi arrombada. A equipe cercou o local, fortemente armada. O jovem detetive Nicola entrou após a declaração de que era seguro entrar. O suspeito, deitado no chão foi colocado em uma cadeira à luz tremeluzente de uma lampada na sala de estar. Ali estava o seu homem, sem fuga, sem resistência. Como sabia que seria. Chamou-lhe pelo apelido que ganhara ao longo dos anos, por suas excentricidades.

­- Desta vez acho que pegamos você, Maomé.

­- Sem dúvida. Não pense que é melhor do que os outros que me procuraram antes de você por isso. Eu estava a sua espera. Já devia ter chegado há uma hora. Perdeu-se no caminho?

­- A denúncia anônima confundiu-se com o endereço e acabamos invadindo a casa errada. Mas fez bem em nos esperar, apesar de eu não compreender bem o porquê. O que há de errado com você? O que houve para se entregar assim? Suponho que algo muito especial tenha lhe acontecido...

­- Não me admira a sua falta de perspicácia. Como bem vê, já estou velho para o serviço. Você tem todo o gás da juventude, a vida pela frente, uma infinidade de loucos para perseguir. Mas este aqui, meu caro, está no seu limite. Estou cansado deste eterno jogo de gato e rato, estou a mais tempo nisto do que você neste mundo. Espero que tenha um bom plano para mim...

­- O resto da vida na cadeia, é o meu plano para você.

­- Exatamente. O que fez de mim o assassino perfeito foi a minha habilidade de planejamento, meu jovem Nicola. Tenho cada mínimo passo que pretendo dar, perfeitamente planejado em minha mente. É isto que faz com que tudo dê certo no final. Posso prever seus movimentos e me preparar para qualquer coisa. Se quisesse fugir agora mesmo, não teria problemas.

­- Então, é isso? Está se aposentando? Eu nunca imaginei que um dia ouviria você dizer uma coisa dessas. Sabe como eu imaginei que tudo iria acabar, isso que chama de jogo? Eu meteria uma bala, sem querer, no meio da sua testa e você nem teria tempo de tentar se justificar. Treze mulheres, treze assassinatos premeditados, sem motivo algum. Apenas pelo gosto e prazer de matar dos assassinos que eu nunca compreenderei. Planejou mesmo este desfecho, ou pela primeira vez, pretende assumir que falhou?

­- Não posso negar que já tinha tudo planejado. Como se planeja uma aposentadoria. Treze é um bom número, meu jovem. Mas receio que você não se deixe levar por superstições.

­- Encontramos o local onde você escondeu o último corpo.

­- E daí? Não estava tão difícil assim de se encontrar.

­- Achei que gostaria de saber.

­- Foi você mesmo que o encontrou? Se não foi, não tem do que se gabar.

­- Tenho uma equipe para fazer isso por mim. Mas há uma coisa que preciso perguntar a você. Isso não me sai da cabeça. Imagina o que seja?

­- Tenho alguns palpites que lhe caem bem.

­- Como você já deve saber, não havia corpo algum. Apenas ossos. Em todos os doze túmulos anteriores que escavamos, apenas ossos.

­- É uma peculiaridade que me reservo. Suponho que tenha dado um trabalho terrível a sua equipe de legistas.

­- De certa forma, os tem mantido bem ocupados. Mas não é isto que eu queria lhe perguntar. O que me intriga acima de tudo é o buraco. Um túnel em miniatura de aproximadamente dez centímetros de diâmetro que levam até o túmulo. Para que ter tanto trabalho com os corpos enterrando-os exatamente a sete palmos do chão, se queria que os encontrássemos. Teria sido mais fácil desová-los em um rio nas proximidades.

­- Você me decepciona. Como eu gostaria que me compreendesse, que me desvendasse de uma vez. Mas você, todos vocês, detetives medíocres, não passam de uns tolos.

­- Então me diga. Para que serviam os buracos?

Naquele momento, um esbelto gato negro surgiu da escuridão do aposento e pulou para o colo do velho homem sentado a frente do detetive. Os dedos assassinos de Maomé, prontamente iniciaram uma carícia que parecia habitual, íntima, na cabeça do animal.

­- Gosta de gatos, Nicola?

­- Indiferente.

­- São uns animais misteriosos esses bichinhos. Veja seus olhos, como brilham, repletos de mistérios do universo. Sabia que na Tailândia, há muito tempo, acreditou-se que as almas das pessoas muito sábias migravam para o corpo de um gato, antes de fazerem a grande viagem para o mundo além-vida?

­- Suponho que se julgue um homem muito sábio neste momento.

­- Zomba de mim enquanto falo sério. Não lhe culpo por ser jovem. Mas lamento, que não creia nas coisas que não consegue explicar com as suas perícias. Você é, visivelmente, um homem cético, detetive.

­- Não acredito em mitos. Apenas isto.

­- Então não fará diferença se eu contar mais um. Os escoceses acreditavam que se um gato entrasse no mesmo cômodo em que havia um morto, a próxima pessoa que tocasse o gato ficaria cega. Parece-lhe plausível?

­- São tudo lendas. Adoraria ficar a noite toda ouvindo suas histórias, mas já está na hora de irmos.

Dois homens avançaram para o velho assassino de mulheres com algemas prontas. Quando o pegaram pelos braços e o ergueram da cadeira, o gato preto saltou de seu colo e fugiu para um canto escuro, ronronando. Os policiais tiveram que guiá-lo até a viatura. Maomé caminhava atrapalhadamente, por vezes até esbarrando nos móveis, como se não enxergasse um palmo a sua frente.

Ao deixar a casa, o detetive Nicola olhou mais uma vez para trás e por pouco não teria percebido o gato preto sobre o muro da casa do velho. O gato o encarou por alguns instantes, depois levou a pata atrás da orelha, bocejando.

­- Parece que hoje irá chover.  

Pedro Paiva

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