quarta-feira, 23 de junho de 2010

O Arlequim



O pai de Duca era um chaveiro muito ocupado e não podia deixar a loja sozinha para leva-lo até a escola pela manha, tinha sempre muito serviço a fazer na loja. Assim Duca caminhava todos os dias até a escola, quatro quadras de distância, desde que completara 6 anos. Naquele dia, antes de seguir para a escola, Duca resolveu desviar o seu caminho um pouco e ir até o píer da praia do porto para ver o sol nascer atrás do mar e aproveitar para fazer um pedido à Aurora. Desejaria, novamente, poder viajar pelo mundo, poder sair por aí voando em busca de aventuras novas e emocionantes. Sabia que um dia seu desejo se realizaria. Sentou-se na beira do píer, os pés descalços mergulhados na água fria. Alguns peixes chegavam bem pertinho para ver melhor os pés do garoto, os curiosos. Duca fechou os olhos para fazer seu pedido, mas foi interrompido por um barulho as suas costas. Aquele lado da praia deveria estar deserto àquela hora da manhã. Quem seria, então?

Virou-se para olhar, um Arlequim! Sim, um pomposo Arlequim. Com suas roupas coloridas e sapatos pontudos. Com seu chapéu engraçado com bolas douradas nas pontas que balançavam languidamente. Seu rosto era todo branco de maquiagem, e sua boca era coberta por um batom vermelho muito forte, desenhando um sorriso imenso e inabalável. O Arlequim fez uma reverencia exageradamente curvada para o garoto e, sem dizer palavra, tirou algo do bolso e estendeu-lhe a mão oferecendo-lhe um par de dados brancos. Eram dados comuns, nada de especial, aparentemente.

“O que devo fazer com isso?” perguntou Duca, pondo-se de pé e recebendo os dados na mão sem entender.

“Pense em um número, criança! Qualquer número que desejar” respondeu o sorridente Arlequim. O menino só pôde pensar na sua idade, 7 anos completos. Foi o primeiro número que lhe veio à cabeça.

“Quando estiver pronto, jogue os dados para cima, o mais alto que puder, na direção do céu!” tornou a falar o Arlequim, gesticulando animadamente com os braços. Duca achou aquilo muito engraçado, mas fez o que disse o estranho companheiro; lançou os dados como o Arlequim mandara, ficou olhando para eles enquanto subiam alto em direção ao céu. O sol, àquela altura, já despontava no horizonte. Duca viu os dados descreverem giros no ar e por último pararem em pleno vôo, um no número 6 e o outro no número 1! “Mas, o que..?” deixou escapar o menino, espantado.

“Parabéns!” exclamou o Arlequim entre saltos e aplausos. “Você é muito bom, mesmo.” Duca tornou a levantar os olhos para os dados, um raio solar sobressalente ofuscou sua vista e fez os dados desapareceram num relance de luz. No lugar dos dados, bem ao longe, por entre as nuvens, Duca viu surgir um imponente dirigível cor de alecrim que reluzia à tênue luz do sol da manhã.

“Querido Amigo,” começou o arlequim, “estou partindo imediatamente em uma incrível aventura para o Pólo Norte, na qual cruzarei, com meu dirigível, os Sete Céus e desvendarei os maiores segredos do mundo, começando pelo enigma da Aurora Boreal. Sabe o que é uma Aurora Boreal, não sabe?”

“Oh, sim! Claro que sei” Duca ficou sem reação, era a chance que estivera esperando a vida toda! “Esse dirigível é seu, Senhor?” foi só o que conseguiu dizer.

“É isso aí. Esplêndido, não acha? E é bem rápido também. Acho que chegaremos ao Pólo Norte, antes da hora do almoço” ao dizer isso, o Arlequim pareceu corar, ficou levemente constrangido. A essa altura o dirigível estava bem próximo da praia, formando uma gigantesca sombra sobre o píer. “Eu estava mesmo precisando de um tripulante, há muito serviço a fazer no dirigível. Limpar cocô de pombo, abastecer o motor... coisas do tipo. É muito complicado fazer tudo isso sozinho. Bom... você poderia me acompanhar se quisesse... Quero dizer! Se não tiver nada mais importante para fazer no momento” terminou o arlequim fazendo beiço e brincando de esfregar a ponta do pé no chão, para parecer distraído.

Duca teve um breve momento de reflexão. “Vou ter que matar aula... Meu pai vai me matar... Tudo bem eu vou com você!” anunciou por fim.

O Arlequim ergueu o garoto nos braços e rodopiaram juntos, como se já fossem amigos há muito tempo.

“Lance seus dados, garoto! Lance-os bem alto!” gritou o Arlequim, gargalhando de animação.

Duca sentiu a sua mão fechar-se sobre os dados novamente. Não precisava entender, sacudiu seus dados e pensou no menor número possível para dois dados. Dois. Eram só os dois nessa viagem. Lançou-os com toda a força. Viu o primeiro dado para no número 1 e o segundo repetir o ato. Duca esticou o braço para recuperar seus dados no ar e os dois, o Arlequim e o Duca, saltaram direto para o dirigível, pousando suavemente na cabine de comando.

Eles viajaram muito rápido àquela manhã, rumaram direto para o Pólo Norte, atravessaram a Aurora Boreal, e descobriram finalmente de que ela é feita. Um segredo que Duca jurou guardar para sempre.

Naquele dia, Duca faltou à escola, e seu pai ralhou com ele quando chegou em casa na hora do almoço sem os sapatos. A sua professora tinha ligado pro seu pai e informado a escapulida do garoto. Ficaria de castigo sem TV depois do jantar, trancafiado no seu quarto. Mas Duca não se importava com isso, pois depois do jantar, o arlequim viria buscá-lo com seu dirigível alecrim novamente. Ele escaparia pela janela e só voltaria ao amanhecer. Por que desta vez Duca e o Arlequim tinham um segredo maior para desvendar e era mais fácil encontrar estrelas a noite, a hora que elas mais brilhavam. Mas enquanto ele não chegava, Duca resolveu tirar um cochilo.

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