quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Batizado

Meu pai me levou pelo braço para sentarmos no segundo banco da frente, um dos que estavam reservados para batizandos, pais e padrinhos. A igreja estava lotada naquela manhã de domingo, não só de gente, mas também por dezenas de passarinhos barulhentos, piando sem cessar em seus ninhos, no telhado da velha capela, e sobrevoando as cabeças das pessoas quando queriam sair pelas janelas para o ar livre.
O terreno da Igreja era repleto de árvores, nada mais. O ar lá dentro era fresco, e nos transmitia certa paz de espírito. Enquanto aguardávamos o Padre que ministraria a Missa de Batismo, crianças de colo choravam nos braços das mães impacientes; garotos aproximadamente da mesma idade que eu, 5 anos, corriam entre as pernas das pessoas que conversavam no corredor. A maioria das crianças estava sentada, segurando com esmero suas longas velas brancas de batismo. A minha tinha uma fita azul que se enroscava da base ao topo, como uma cobra em um tronco nodoso, e um adesivo singelo pregado ao centro.
De repente, as velhas senhoras que entoavam os cânticos se aprumaram com seus livretos surrados e ficaram de pé, combinando algo de última hora entre si. Uma figura furtiva surgiu pela lateral do altar e rapidamente acendeu a grande vela amarela sobre a mesa. Reconheci o sinal de que a missa começaria, finalmente. Todos procuraram um lugar para sentar, os que puderam, o restante espremeu-se no espaço entre os bancos e as paredes de madeira azul. Alguns jovens preferiam ficar do lado de fora, alegando não ter espaço na capela, aproveitavam para paquerar em voz baixa.
O Padre, como todos os outros que eu conhecia, era um homem de meia-idade, barrigudo e com grandes entradas na testa reluzente, sorriso bondoso e voz macia. A cada minuto transcorrido da cerimônia eu ficava mais inquieto. Olhava para o banco à esquerda onde estavam meus padrinhos, só sorrisos e olhos brilhantes. Dois jovens católicos fervorosos na religião. Minha mãe acendeu minha vela certa hora e eu acompanhava a turba quando o Padre pedia para levantar a vela e repetir umas palavras bonitas que já não me lembro.
Então chegara o momento. Lá estava a bacia com água. E uma por uma as crianças tinham suas cabeças molhadas naquele ritual que, se não fosse religioso seria muito sinistro. As meninas recusavam-se a molhar os cabelos tão bem cacheados, os meninos riam sem parar, e os bebês – coitadinhos – não entendiam porque estavam tomando banho mais uma vez. Mas o momento que eu mais temia estava se aproximando. A pergunta que o Padre faria depois de molhar minha cabeça. Ele perguntava, usando rodeios e floreios: “Você meu filho, quer ser batizado?”
A única resposta prevista era afirmativa.
"Quero " diziam todos.
Os que não sabiam falar, não era problema, lá estavam os padrinhos para responder por eles. É óbvio, qualquer um quer ser batizado, por mais que ainda nem saiba o significado disso.
Mas o problema não era esse. O problema era a minha família, caçoadores natos. Eu era muito pequeno ainda, caçula, vítima oficial de zombarias. E naquele tempo, ainda não era capaz de pronunciar certas palavras corretamente. Por exemplo: ao invés de dizer “Quero” eu diria “Tero”, e estavam todos aguardando este momento sublime, para caçoarem de mim o resto da vida. E ele chegara.
O Padre me cumprimentou, falou com meus padrinhos, sorriu para mim, aquele cínico. Fazia pouco caso do meu dilema. Abaixou minha cabeça e derramou água sobre ela. Gelada! Mas acho que foi justamente a baixa temperatura que me fez pensar com mais clareza. Ainda com a cabeça abaixada, sorri satisfeito com minha genialidade.
Estava pronto. O Padre podia perguntar. A hora que ele quisesse. Meu irmão ia ver só! E a melhor resposta que eu poderia dar para a bendita pergunta foi:
"Sim!"

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