Chegaram os policiais
na casa as escuras. Sem alarmes, sem sirenes. A porta foi arrombada.
A equipe cercou o local, fortemente armada. O jovem detetive Nicola
entrou após a declaração de que era seguro entrar. O suspeito,
deitado no chão foi colocado em uma cadeira à luz tremeluzente de
uma lampada na sala de estar. Ali estava o seu homem, sem fuga, sem
resistência. Como sabia que seria. Chamou-lhe pelo apelido que
ganhara ao longo dos anos, por suas excentricidades.
- Desta vez acho
que pegamos você, Maomé.
- Sem dúvida.
Não pense que é melhor do que os outros que me procuraram antes de
você por isso. Eu estava a sua espera. Já devia ter chegado há uma
hora. Perdeu-se no caminho?
- A denúncia
anônima confundiu-se com o endereço e acabamos invadindo a casa
errada. Mas fez bem em nos esperar, apesar de eu não compreender bem
o porquê. O que há de errado com você? O que houve para se
entregar assim? Suponho que algo muito especial tenha lhe
acontecido...
- Não me admira
a sua falta de perspicácia. Como bem vê, já estou velho para o
serviço. Você tem todo o gás da juventude, a vida pela frente, uma
infinidade de loucos para perseguir. Mas este aqui, meu caro, está
no seu limite. Estou cansado deste eterno jogo de gato e rato, estou a mais
tempo nisto do que você neste mundo. Espero que tenha um bom plano
para mim...
- O resto da vida
na cadeia, é o meu plano para você.
- Exatamente. O
que fez de mim o assassino perfeito foi a minha habilidade de
planejamento, meu jovem Nicola. Tenho cada mínimo passo que pretendo
dar, perfeitamente planejado em minha mente. É isto que faz com que
tudo dê certo no final. Posso prever seus movimentos e me preparar
para qualquer coisa. Se quisesse fugir agora mesmo, não teria
problemas.
- Então, é
isso? Está se aposentando? Eu nunca imaginei que um dia ouviria você
dizer uma coisa dessas. Sabe como eu imaginei que tudo iria acabar,
isso que chama de jogo? Eu meteria uma bala, sem querer, no meio da
sua testa e você nem teria tempo de tentar se justificar. Treze
mulheres, treze assassinatos premeditados, sem motivo algum. Apenas
pelo gosto e prazer de matar dos assassinos que eu nunca
compreenderei. Planejou mesmo este desfecho, ou pela primeira vez,
pretende assumir que falhou?
- Não posso
negar que já tinha tudo planejado. Como se planeja uma
aposentadoria. Treze é um bom número, meu jovem. Mas receio que
você não se deixe levar por superstições.
- Encontramos o
local onde você escondeu o último corpo.
- E daí? Não
estava tão difícil assim de se encontrar.
- Achei que
gostaria de saber.
- Foi você mesmo
que o encontrou? Se não foi, não tem do que se gabar.
- Tenho uma
equipe para fazer isso por mim. Mas há uma coisa que preciso
perguntar a você. Isso não me sai da cabeça. Imagina o que seja?
- Tenho alguns
palpites que lhe caem bem.
- Como você já
deve saber, não havia corpo algum. Apenas ossos. Em todos os doze
túmulos anteriores que escavamos, apenas ossos.
- É uma
peculiaridade que me reservo. Suponho que tenha dado um trabalho
terrível a sua equipe de legistas.
- De certa forma,
os tem mantido bem ocupados. Mas não é isto que eu queria lhe
perguntar. O que me intriga acima de tudo é o buraco. Um túnel em
miniatura de aproximadamente dez centímetros de diâmetro que levam
até o túmulo. Para que ter tanto trabalho com os corpos
enterrando-os exatamente a sete palmos do chão, se queria que os
encontrássemos. Teria sido mais fácil desová-los em um rio nas
proximidades.
- Você me
decepciona. Como eu gostaria que me compreendesse, que me desvendasse
de uma vez. Mas você, todos vocês, detetives medíocres, não
passam de uns tolos.
- Então me diga.
Para que serviam os buracos?
Naquele momento, um
esbelto gato negro surgiu da escuridão do aposento e pulou para o
colo do velho homem sentado a frente do detetive. Os dedos assassinos
de Maomé, prontamente iniciaram uma carícia que parecia habitual,
íntima, na cabeça do animal.
- Gosta de gatos,
Nicola?
- Indiferente.
- São uns
animais misteriosos esses bichinhos. Veja seus olhos, como brilham,
repletos de mistérios do universo. Sabia que na Tailândia, há
muito tempo, acreditou-se que as almas das pessoas muito sábias
migravam para o corpo de um gato, antes de fazerem a grande viagem
para o mundo além-vida?
- Suponho que se
julgue um homem muito sábio neste momento.
- Zomba de mim
enquanto falo sério. Não lhe culpo por ser jovem. Mas lamento, que
não creia nas coisas que não consegue explicar com as suas
perícias. Você é, visivelmente, um homem cético, detetive.
- Não acredito
em mitos. Apenas isto.
- Então não
fará diferença se eu contar mais um. Os escoceses acreditavam que
se um gato entrasse no mesmo cômodo em que havia um morto, a próxima
pessoa que tocasse o gato ficaria cega. Parece-lhe plausível?
- São tudo
lendas. Adoraria ficar a noite toda ouvindo suas histórias, mas já
está na hora de irmos.
Dois homens avançaram
para o velho assassino de mulheres com algemas prontas. Quando o
pegaram pelos braços e o ergueram da cadeira, o gato preto saltou de
seu colo e fugiu para um canto escuro, ronronando. Os policiais
tiveram que guiá-lo até a viatura. Maomé caminhava
atrapalhadamente, por vezes até esbarrando nos móveis, como se não
enxergasse um palmo a sua frente.
Ao deixar a casa, o
detetive Nicola olhou mais uma vez para trás e por pouco não teria
percebido o gato preto sobre o muro da casa do velho. O gato o
encarou por alguns instantes, depois levou a pata atrás da orelha,
bocejando.
- Parece que hoje
irá chover.
Pedro Paiva
Nenhum comentário:
Postar um comentário