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O pequeno cruzou os braços e deixou-se largar, emburrado, sobre o sofá da sala, ainda de cueca e meias. O pai caminhava apressado de um lado para o outro, preparando um sanduíche ao passo que vestia o terno e fechava as janelas. Olhou a hora no relógio dourado de pulso. Quinze para às sete. Já estavam atrasados para a cerimônia.
- Levanta logo daí, moleque. Não quero saber de birra agora – disse o pai quando passava pela terceira vez uma revista na sala à procura do seu cinto marrom.
O garoto lançou-lhe seu olhar mais amargurado, de esguelha. O pai não lhe deu atenção.
- Não quero vestir essa roupa! - repetiu irritado.
O pai olhava-o com uma mescla de irritação e compaixão, estava de meias e segurava os dois sapatos pretos, brilhantes, nas mãos.
- Já conversamos sobre isso. O papai está vestido em uma roupa igualzinha à sua. Não há nada de errado em vestir um terno de vez em quando. Por que não levanta logo daí e vai se vestir, garoto? Estamos atrasados. – Depois que disse isso, ele sumiu para a cozinha.
- Mas eu não quero vestir essa roupa feia! Não quero vestir ela hoje, eu falei para o senhor - berrou o garoto, indignado com a falta de sensibilidade do pai.
Saltou do sofá. Suas pernas eram tão curtas que quando estava sentado não alcançavam o chão. Caminhou para a cozinha, decidido a insistir com o pai mais uma vez. Uma hora ele teria de ceder.
- Não pode me forçar a usar o que não quero! Está interferindo nos meus direitos de livre artíbrio!
O pai abaixou-se para nivelar seu rosto com o do filho e encará-lo de frente.
- Quantos anos você tem, afinal, seu monstrinho? – Entregou o sanduíche de frango e queijo nas pequenas mãos do garoto, que recebeu a contragosto, fazendo beiço. – Quero que entenda uma coisa, filho: Vai estar todo mundo vestido a caráter lá. Você não vai querer ser o único usando uma roupa diferente, vai?
Por um instante mínimo, no qual o garoto permaneceu indeciso, a vitória parecia certa.
- As mulheres também vão vestir isso? - retomou ele, mirando com tom de dúvida a negra vestimenta do homem a sua frente.
O pai sentiu uma forte contração no estômago. Respirou fundo para não perder de vez o controle. Quanto tempo ainda teriam até o telefone começar a tocar? Por que não fazia como os outros pais? Por que não ameaçava aquele fedelho com o cinto, e obrigava-o a vestir a droga do terno? Seria até muito conveniente que fosse chorando. Chegaria lá com os olhos vermelhos e marejados, ninguém adivinharia o que realmente aconteceu e achariam que fosse um comportamento normal, uma reação comum ao acontecido.
- Filho, por favor... – Não sabia bem o que dizer. Mas sabia que não queria estender mais aquela conversa. - Isso não vem ao caso. Mas, só para você saber, as mulheres vestem roupas um pouco diferentes nessas ocasiões, mas só um pouco.
- A mamãe vai estar vestida igual às outras mulheres, então?
Era difícil prever o que o garoto tinha em mente com aquelas perguntas aparentemente inocentes.
- Bem... a sua mãe não... Ela vai vestir uma outra coisa. Eu não sei bem como explicar.
- Eu posso vestir uma roupa um pouco diferente, então? Juro que você nem vai notar a diferença. Por favor, pai!
Aquele menino sabia o que estava fazendo. Era esperto. Enquanto o pai matutava, ele comera metade do sanduíche, só para aplacar os ânimos. Você cede um pouco dali, eu cedo um pouco de cá. A velha política da boa vizinhança.
- Mas você não é uma mulher. Tem que vestir-se como os homens. E todos os homens vestem ternos pretos nestas ocasiões.
- Não sou um homem! E não quero vestir preto!
Susto! O pai virou-se bem devagar para olhar no fundo dos olhos do filho. Será que...? Mas tão cedo?
- Esses dias mesmo você disse que tomar cerveja é coisa de homem. E que eu não passava de um menino. Tenho certeza que essa regra que diz que todos os homens devem se vestir igual também não se aplica aos meninos.
Alívio. O pai, exausto da conversa, olhou mais uma vez o relógio. Mais que atrasados. Não pegaria nada bem chegar atrasado, justo eles. O que seria pior? Alguém julgaria que ele fosse um pai irresponsável ou relaxado por deixar que o filho vestisse o que quisesse naquela ocasião? Talvez não em um momento tão delicado como aquele. Resolveu, por fim, entregar-se, mas só desta vez.
- Olhe aqui... vê se não estressa mais, está bem! Vai ao quarto e escolhe logo alguma outra coisa pra vestir. Depressa!
O menino disparou para o quarto, largando o resto do sanduíche sobre o balcão da cozinha. Mal podia conter a felicidade.
- Mas vê se não escolhe nada colorido demais... – tentou avisar o pai, tarde demais.
O garoto já voltava do quarto trazendo nos braços um short vermelho dos Power Rangers e uma camiseta amarela estampada.
- Ah, não! Filho...
- Não se preocupe, papai. Tenho certeza que mamãe vai adorar me ver assim. Ela sempre me deixa usar o que eu quero. E ela gosta muito desta camisa aqui. Foi ela quem me deu.
O coração do pai se abrandou com aquelas palavras.
- Então vamos de uma vez! Deixa eu te ajudar a vestir isso.
Depois de tudo pronto. Saíram pela porta dos fundos. O pai de terno bem passado, gravata e tudo o que pedia a ocasião. O garoto, mais colorido que um carro alegórico, com boné de skatista e tênis com luzes que piscam. Entraram os dois no carro, o pai manobrou para a calçada, então desceu para fechar o portão da garagem. Quando voltou ao carro, todas as preocupações de antes haviam sumido. Não via mais nenhum problema em deixar o filho ir vestido como quisesse ao enterro da própria mãe. Vai ver ele estava certo, ela poderia até gostar de vê-lo daquele jeito.
Eu gostaria de encarecidamente perguntar ao sr. Pedro Henrique qual a diferença entre poema e poesia. Obrigado.
ResponderExcluirrererere
[gostei]
kkkkkk, pois vou te dizer. Poema e Poesia é tudo a mesma coisa, só que diferente!
ResponderExcluirvlw, por ter lido.
Adorei...talento em garoto!
ResponderExcluirObrigado Laiane. Forte abraço.
ResponderExcluirCriativo
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